quarta-feira, 4 de maio de 2016

PORTUGAL É UM PAÍS... - Arthur Santos

CAPÍTULO I
O acordar... sou Português?

Uma manhã destas acordei a pensar que estava em Portugal. Mais do que isso, acordei a pensar que tinha nascido em Portugal e que portanto era Português. A noite tinha sido fria. Gelada mesmo. E muito chuvosa. A manhã não escapava a esse mau tempo. Também... é Janeiro, o que é que eu esperava? Sol e calor?

Olhei para o despertador que não funcionou como despertador porque eu não gosto de ser acordado por máquinas. Gosto de ser eu a acordar. Com naturalidade. Faz bem à saúde. Enrolado no meu grosso "Edredon", comecei a imaginar-me como seria ser Português e consegui mesmo vestir a pele de Português.

Já tinha ouvido falar de Portugal, se bem que não soubesse exactamente a sua localização geográfica. Deduzi que ficava na Europa uma vez que eu sou Europeu.

 Porque raios iria sonhar com um País mais distante ou de outro continente? a idade de Portugal? sabia vagamente que tem cerca de oitocentos anos mas ninguém tem a certeza.

CAPÍTULO II
Portugal 800 anos de História

Por esta altura tentava recordar-me da minha Nacionalidade mas estava meio acordado meio a dormir e não me sentia com paciência nem com disposição, para raciocinar...

- que se lixe, pensei. Se quem manda nos sonhos quer que eu seja Português, serei Português, leve-me isso onde me levar. E deixei-me levar pela situação.

- Então oitocentos anos de vida, tem esse País que eu nem sei onde fica? oitocentos anos são muitos anos não são? nem consigo imaginar quantos anos são oitocentos anos, resmunguei eu enquanto me enrolava mais no "Edredon", na tentativa desesperada de me proteger do frio.

CAPÍTULO III
Portugal País pequenino

Segundo informações que me iam chegando, isto de sonhos e de estar meio acordado meio a dormir é mais complicado do que possam pensar, Portugal é um País pequenino.

As informações, se é que se pode chamar de informações as ideias que nos assaltam nesses momentos, vão chegando em catadupa, de forma irregular e confusa e tomamos conhecimento das coisas sem sabermos a sua origem.

Deve ser o cérebro a trabalhar em auto gestão, fruto das suas deambulações nocturnas... mas como eu ia dizendo, não me quero perder nem baralhar quem lê este relato, Portugal é um País pequenino, de formato rectangular e com poucas pessoas lá dentro.

Devem ser cerca de dez milhões mas também ninguém tem a certeza, uma vez que todas as pessoas que se lembram de ter nascido, falam sempre em 10 milhões como se esse fosse um número magicamente inalterável.

CAPÍTULO IV
Monarquia e Descobrimentos

Outra informação curiosa é que Portugal é um País à Beira-Mar plantado. Os Portugueses gostam muito desta designação: à Beira-Mar plantado. Nunca ninguém percebeu porquê.

Os Portugueses tiveram Reis e Rainhas durante muitos anos. Não sei bem para que serve esta informação mas vou escrevendo de acordo com o que sentia ou pensava sentir nessa altura. Esses Reis e Rainhas gastaram todo o dinheiro dos Portugueses a construir Palácios, Castelos, Igrejas e Conventos e não fizeram mais nada. Não só gastaram todo o dinheiro dos Portugueses como o dinheiro dos outros. Empenharam-se com tantos empréstimos que fizeram fora de Portugal.

Ah! e construíram barcos também. Isso mesmo, barcos. Barcos grandes e barcos pequenos. Foi nesses barcos que alguns Portugueses se aventuraram pelo mar fora à descoberta, nem eles sabiam bem do quê. Alguns encontraram terra. Até havia na altura escolas para aprender a descobrir terras. Nos livros de história está escrito que os Portugueses deram novos mundos ao mundo.

Essa é outra frase de que os Portugueses gostam muito: Portugal deu novos mundos ao mundo. Enfim... seja! Nada contra!

CAPÍTULO V
Crimes em nome da fé e algumas guerras

Claro que nessas incursões houve crimes. Claro, em nome da Fé como não podia deixar de ser. Os Reis e Rainhas, esses permaneciam comodamente nos seus tronos dourados à espera de notícias que lhe permitisse engordar os cofres da Coroa com as riquezas roubadas aos donos das terras, desses "novos mundos". O costume.

Nesses tempo não se chamavam... políticos... eram a Realeza. Eram Marqueses e Condes e Viscondes e Barões.  Destes últimos, ainda hoje há muitos, por todo o lado da politiquice barata!
 
Internamente também houve guerras em Portugal. Ganharam umas, perderam outras mas pronto, à custa disso ou não, o que é um facto é que Portugal hoje em dia está em paz. Pelo menos em paz no que respeita a guerras na verdadeira acepção da palavra guerra! valha isso aos Portugueses.

Se calhar é porque o País é muito pequenino e não vale a pena tentar rouba-lo, porque não há nada para roubar!

CAPÍTULO VI
Fim da Monarquia

Mas o meu sonho, ou o que eu pensava ser um sonho, não me largava e continuava a debitar informações. Esses Reis e Rainhas, um dia acabaram. Foram expulsos. Ao que se diz foram para terras descobertas nessas viagens marítimas. Deixaram Portugal entregue a pessoas que queriam uma República...

Entretanto a chuva lá fora caía com mais intensidade. Os pingos eram cada vez mais grossos e batiam freneticamente na janela do meu quarto.

Comecei inexplicavelmente a sentir mais frio, apesar de estar enrolado num"Edredon" grau 10. Eu sei que não existe esse grau,. É só para saberem que estava bem protegido do frio. Mas nada me aquecia. Estranho!

CAPÍTULO VII
Implantação da República

Parecia que quanto mais informações recebia sobre Portugal, o tal pequeno País à Beira-Mar plantado e no qual no meu acordar estremunhado era suposto eu ter nascido, com mais frio ficava. Numa razão directamente proporcional. Estranho!

Do que começava a ter consciência, é que começava realmente a despertar. A ver o que se passava à minha volta com mais realidade e não duma forma fantasiosa.

Continuando...A tal República venceu a Monarquia. Houve guerra claro, nem podia ser de outra maneira. Mas pronto, Portugal tinha finalmente uma República. Uma República titubeante mas uma República.

CAPÍTULO VIII
Sal e Azar, Revolução e sonhos de Democracia

Nessa altura do meu despertar, ouvi, ou pensei ouvir, uma voz estranhamente familiar. esforcei-me para saber de onde vinha mas não consegui saber. Dizia-me essa voz que Portugal caiu durante quase 50 anos numa Ditadura feroz. Chamaram-lhe Fascismo.

O sonho dos Republicanos caiu por terra. Não se conseguiram entender e alguém com Sal e muito azar para os Portugueses assaltou o poder! Esta do Sal de do azar é também uma expressão de que os Portugueses gostam muito, até porque foi criada por um brilhante Português de seu nome Fernando Pessoa. Isso foi claro no meu sonho e ainda bem, porque nesta descrição não quero roubar ideias de ninguém e muito menos do Fernando!

Mas depois desses quase cinquenta anos de um Estado a que chamaram misteriosamente Estado Novo e que de novo não tinha nada, tinha apenas a figura de um ditador sanguinário, os Portugueses um dia derrubaram essa ditadura do Sal e do azar. Esse dia, ouço claramente a tal voz a segredar-me ao ouvido, foi o dia 25 de Abril de 1974.

Foi nesse dia que Portugal abriu as portas à democracia. Foi o fim da ditadura pensavam os Portugueses. Abriram-se portas, muitas portas, à Democracia. "As portas que Abril abriu"  no dizer de Ary dos Santos,  um grande poeta Português.

CAPÍTULO IX
Eu sou mesmo Português

Nesta altura já me sentia acordado. Eu acordo rapidamente pelo que imagino que tudo isto me passou pela cabeça durou apenas alguns segundos. Acontece-me muito e não sei explicar. Estava mesmo acordado.

Olhei para a janela do meu quarto. Afinal não estava mau tempo e não era Janeiro. Era hoje, 4 de Fevereiro de 2014. Não estava frio. Não chovia. O meu "Edredon" é de grau 5. Lá fora estava um sol radioso. Eu sou mesmo Português. Eram nove horas da manhã.

Tudo aquilo que me passou pela cabeça são coisas que já sei há muitos anos e a voz familiar que eu ouvia era a minha mulher a dizer-me para eu me levantar porque já eram horas do pequeno almoço. O cérebro, essa máquina que julgamos perfeita prega-nos cada partida. Ou é partida, ou é mau funcionamento. Isso ainda estou por perceber.

Eu sei porque tudo isto me passou pela cabeça. Já não é a primeira vez que me acontece. É porque estou preocupado. Mais do que preocupado estou com medo. Estou com medo que as tais portas que Abril abriu se fechem para sempre.

É que já se fecharam muitas. Já se fecharam portas demais e quem as fechou deitou a chave fora. Há uma quadrilha de malfeitores, um bando organizado, empenhado em fechar as portas todas. Estão a conseguir e sem grande oposição. Com uma oposição... macia.

CAPÍTULO X
As portas que o governo fechou

Portugal está a transformar-se, nas portas que o governo fechou!
Estou com muito medo!

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