CAPÍTULO I
O acordar... sou Português?
Uma manhã destas
acordei a pensar que estava em Portugal. Mais do que isso, acordei a
pensar que tinha nascido em Portugal e que portanto era Português. A
noite tinha sido fria. Gelada mesmo. E muito chuvosa. A manhã não
escapava a esse mau tempo. Também... é Janeiro, o que é que eu esperava?
Sol e calor?
Olhei para o despertador que não funcionou como
despertador porque eu não gosto de ser acordado por máquinas. Gosto de
ser eu a acordar. Com naturalidade. Faz bem à saúde. Enrolado no meu
grosso "Edredon", comecei a imaginar-me como seria ser Português e
consegui mesmo vestir a pele de Português.
Já tinha ouvido falar
de Portugal, se bem que não soubesse exactamente a sua localização
geográfica. Deduzi que ficava na Europa uma vez que eu sou Europeu.
Porque raios iria sonhar com um País mais distante ou de outro
continente? a idade de Portugal? sabia vagamente que tem cerca de
oitocentos anos mas ninguém tem a certeza.
CAPÍTULO II
Portugal 800 anos de História
Por
esta altura tentava recordar-me da minha Nacionalidade mas estava meio
acordado meio a dormir e não me sentia com paciência nem com disposição,
para raciocinar...
- que se lixe, pensei. Se quem manda nos sonhos quer que eu seja Português, serei Português, leve-me isso onde me levar. E deixei-me levar pela situação.
-
Então oitocentos anos de vida, tem esse País que eu nem sei onde fica?
oitocentos anos são muitos anos não são? nem consigo imaginar quantos
anos são oitocentos anos, resmunguei eu enquanto me enrolava mais no
"Edredon", na tentativa desesperada de me proteger do frio.
CAPÍTULO III
Portugal País pequenino
Segundo
informações que me iam chegando, isto de sonhos e de estar meio
acordado meio a dormir é mais complicado do que possam pensar, Portugal é
um País pequenino.
As informações, se é que se pode chamar de
informações as ideias que nos assaltam nesses momentos, vão chegando em
catadupa, de forma irregular e confusa e tomamos conhecimento das coisas
sem sabermos a sua origem.
Deve ser o cérebro a trabalhar em auto
gestão, fruto das suas deambulações nocturnas... mas como eu ia dizendo,
não me quero perder nem baralhar quem lê este relato, Portugal é um
País pequenino, de formato rectangular e com poucas pessoas lá dentro.
Devem ser cerca de dez milhões mas também ninguém tem a certeza, uma vez
que todas as pessoas que se lembram de ter nascido, falam sempre em 10
milhões como se esse fosse um número magicamente inalterável.
CAPÍTULO IV
Monarquia e Descobrimentos
Outra
informação curiosa é que Portugal é um País à Beira-Mar plantado. Os
Portugueses gostam muito desta designação: à Beira-Mar plantado. Nunca
ninguém percebeu porquê.
Os Portugueses tiveram Reis e Rainhas
durante muitos anos. Não sei bem para que serve esta informação mas vou
escrevendo de acordo com o que sentia ou pensava sentir nessa altura.
Esses Reis e Rainhas gastaram todo o dinheiro dos Portugueses a
construir Palácios, Castelos, Igrejas e Conventos e não fizeram mais
nada. Não só gastaram todo o dinheiro dos Portugueses como o dinheiro
dos outros. Empenharam-se com tantos empréstimos que fizeram fora de
Portugal.
Ah! e construíram barcos também. Isso mesmo, barcos.
Barcos grandes e barcos pequenos. Foi nesses barcos que alguns
Portugueses se aventuraram pelo mar fora à descoberta, nem eles sabiam
bem do quê. Alguns encontraram terra. Até havia na altura escolas para
aprender a descobrir terras. Nos livros de história está escrito que os
Portugueses deram novos mundos ao mundo.
Essa é outra frase de que os
Portugueses gostam muito: Portugal deu novos mundos ao mundo. Enfim...
seja! Nada contra!
CAPÍTULO V
Crimes em nome da fé e algumas guerras
Claro
que nessas incursões houve crimes. Claro, em nome da Fé como não podia
deixar de ser. Os Reis e Rainhas, esses permaneciam comodamente nos seus
tronos dourados à espera de notícias que lhe permitisse engordar os
cofres da Coroa com as riquezas roubadas aos donos das terras, desses
"novos mundos". O costume.
Nesses tempo não se chamavam... políticos...
eram a Realeza. Eram Marqueses e Condes e Viscondes e Barões. Destes
últimos, ainda hoje há muitos, por todo o lado da politiquice barata!
Internamente
também houve guerras em Portugal. Ganharam umas, perderam outras mas
pronto, à custa disso ou não, o que é um facto é que Portugal hoje em
dia está em paz. Pelo menos em paz no que respeita a guerras na
verdadeira acepção da palavra guerra! valha isso aos Portugueses.
Se
calhar é porque o País é muito pequenino e não vale a pena tentar
rouba-lo, porque não há nada para roubar!
CAPÍTULO VI
Fim da Monarquia
Mas
o meu sonho, ou o que eu pensava ser um sonho, não me largava e
continuava a debitar informações. Esses Reis e Rainhas, um dia acabaram.
Foram expulsos. Ao que se diz foram para terras descobertas nessas
viagens marítimas. Deixaram Portugal entregue a pessoas que queriam uma
República...
Entretanto a chuva lá fora caía com mais intensidade.
Os pingos eram cada vez mais grossos e batiam freneticamente na janela
do meu quarto.
Comecei inexplicavelmente a sentir mais frio, apesar de
estar enrolado num"Edredon" grau 10. Eu sei que não existe esse grau,. É
só para saberem que estava bem protegido do frio. Mas nada me aquecia.
Estranho!
CAPÍTULO VII
Implantação da República
Parecia
que quanto mais informações recebia sobre Portugal, o tal pequeno País à
Beira-Mar plantado e no qual no meu acordar estremunhado era suposto eu
ter nascido, com mais frio ficava. Numa razão directamente
proporcional. Estranho!
Do que começava a ter consciência, é que
começava realmente a despertar. A ver o que se passava à minha volta com
mais realidade e não duma forma fantasiosa.
Continuando...A tal
República venceu a Monarquia. Houve guerra claro, nem podia ser de outra
maneira. Mas pronto, Portugal tinha finalmente uma República. Uma
República titubeante mas uma República.
CAPÍTULO VIII
Sal e Azar, Revolução e sonhos de Democracia
Nessa altura do meu despertar, ouvi, ou pensei ouvir, uma voz
estranhamente familiar. esforcei-me para saber de onde vinha mas não
consegui saber. Dizia-me essa voz que Portugal caiu durante quase 50
anos numa Ditadura feroz. Chamaram-lhe Fascismo.
O sonho dos
Republicanos caiu por terra. Não se conseguiram entender e alguém com
Sal e muito azar para os Portugueses assaltou o poder! Esta do Sal de do
azar é também uma expressão de que os Portugueses gostam muito, até
porque foi criada por um brilhante Português de seu nome Fernando
Pessoa. Isso foi claro no meu sonho e ainda bem, porque nesta descrição
não quero roubar ideias de ninguém e muito menos do Fernando!
Mas
depois desses quase cinquenta anos de um Estado a que chamaram
misteriosamente Estado Novo e que de novo não tinha nada, tinha apenas a
figura de um ditador sanguinário, os Portugueses um dia derrubaram essa
ditadura do Sal e do azar. Esse dia, ouço claramente a tal voz a
segredar-me ao ouvido, foi o dia 25 de Abril de 1974.
Foi nesse
dia que Portugal abriu as portas à democracia. Foi o fim da ditadura
pensavam os Portugueses. Abriram-se portas, muitas portas, à Democracia.
"As portas que Abril abriu" no dizer de Ary dos Santos, um grande
poeta Português.
CAPÍTULO IX
Eu sou mesmo
Português
Nesta
altura já me sentia acordado. Eu acordo rapidamente pelo que imagino
que tudo isto me passou pela cabeça durou apenas alguns segundos.
Acontece-me muito e não sei explicar. Estava mesmo acordado.
Olhei para a
janela do meu quarto. Afinal não estava mau tempo e não era Janeiro.
Era hoje, 4 de Fevereiro de 2014. Não estava frio. Não chovia. O meu
"Edredon" é de grau 5. Lá fora estava um sol radioso. Eu sou mesmo
Português. Eram nove horas da manhã.
Tudo aquilo que me passou
pela cabeça são coisas que já sei há muitos anos e a voz familiar que eu
ouvia era a minha mulher a dizer-me para eu me levantar porque já eram
horas do pequeno almoço. O cérebro, essa máquina que julgamos perfeita
prega-nos cada partida. Ou é partida, ou é mau funcionamento. Isso ainda
estou por perceber.
Eu sei porque tudo isto me passou pela
cabeça. Já não é a primeira vez que me acontece. É porque estou
preocupado. Mais do que preocupado estou com medo. Estou com medo que as
tais portas que Abril abriu se fechem para sempre.
É que já se fecharam
muitas. Já se fecharam portas demais e quem as fechou deitou a chave
fora. Há uma quadrilha de malfeitores, um bando organizado, empenhado em
fechar as portas todas. Estão a conseguir e sem grande oposição. Com
uma oposição... macia.
CAPÍTULO X
As portas que o governo fechou
Portugal está a transformar-se, nas portas que o governo fechou!
Estou com muito medo!
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