domingo, 19 de janeiro de 2020

21 POEMAS de João Carrascal





















  1. O GATO E A RATA DA MIQUELINA
  2. SERPA, TERRA DO CANTE
  3. SER LADRÃO
  4. NÃO É FADISTA QUEM QUER
  5. A CORRIDA AO MELÃO
  6. A HERANÇA
  7. UM GRANDE AMOR ALENTEJANO
  8. A POESIA NÃO MORRE
  9. A TERRA NÃO É CULPADA
  10. ESTA VIDA É UMA ILUSÃO
  11. 3 LUSITANOS VALENTES  FOI O VENTO
  12. GALOS E GALINHAS
  13. O POLÍTICO E O BORRACHO
  14. A TROIKA DO DESPORTO
  15. OS DESTEMIDOS DO FANDANGUINHO
  16. O CALDO COM POUCO CALDO
  17. GERINGONÇAS E CARANGUEJOLAS
  18. PRECARIEDADE
  19. VIDAS DE ANIMAIS
  20. O NATAL NÃO É PARA TODOS
  21. A FISGA ALENTEJANA

O GATO E A RATA DA MIQUELINA
o Rato foge do gato
dá à sola, dá ao taco
de ser caçado tem medo
por saber que é o mais fraco
mete-se em qualquer buraco
e o gato chucha no dedo

Mas o gato fica à espreita
não descansa, não se deita
tem instintos de leão
não lhe perdoa a desfeita
numa emboscada perfeita
consegue deitar-lhe a mão

Miquelina tem um gato
tão meiguinho, tão pacato
roça-lhe o rabo pela saia
mais esperto que os outros gatos
põe-se em cima dos sapatos
à espera que a rata caia

A rata goza com o gato
assoma-se pelo buraco
faz que cai, mas nunca cai
só por ele ser tão chato
faz dele gato sapato
até que o bicho se vai

A rata da Miquelina
que é tão esperta, tão ladina
só cai quando ela quiser
por enquanto ainda é menina
para aquilo a que se destina
um dia será mulher

Qualquer gato não se iluda
que às vezes a sorte muda
quando anda na caçada
espera rata rechonchuda
ainda nova e cabeluda
apanha velha e pelada

SERPA, TERRA DO CANTE
Serpa, és cidade antiga
Tens história em cada esquina
Teu cante, tua gente amiga
São o que em ti mais fascina

Serpa, tu és terra forte
Com um passado brilhante
E do sul até ao norte
A todos levas teu cante
Esse cantar fascinante
Património imaterial
Que eleva em terras distantes
O nome de Portugal

Serpa, és terra do queijo
Do bom pão, azeite e vinho
O teu cante é como um beijo
Quando se dá com carinho

SER LADRÃO
Ser ladrão é um oficio
Que se transforma num vicio
Difícil de dominar
Todo o momento é propicio
Para fazer o exercício
Essa arte de roubar

Ladrão que rouba com brio
Não faz roubo, faz desvio
Em vez de ser castigado
Por fazer desvios a fio
Tão calculista, tão frio
Ainda é agraciado

Todos os grandes ladrões
Gritam a plenos pulmões
Que nunca roubaram nada
Mas têm grandes mansões
São quase sempre patrões
De uma seita organizada

Quem rouba mais de um milhão
É raro ir para prisão
Porque dá para os defensores
Os que roubam um tostão
São os que para lá vão
Pagar por esses senhores

Em muita instituição
A ocasião faz o ladrão
Quando há acesso ao dinheiro
Não há consideração
Pelos utentes que lá estão
Porque o ladrão está primeiro

Qualquer ladrão que se preza
Entra na igreja e reza
A pedir para seu bem
E deixa com tal destreza
A caixa das esmolas tesa
Que o vicio não o detém!

NÃO É FADISTA QUEM QUER
Não é fadista quem quer
Só é fadista quem sabe
Seja homem ou mulher
Seja em qualquer idade

Eu nasci já um fadista
Já vinha a cantar o fado
Vinha sentimentalista
Cantando um fado chorado

De tristeza ou alegria
Eu conto fados a esmo
Já que ninguém me elogia
Dou elogios a mim mesmo

Tenho andado atrás da fama
À espera que a porta se abra
Mas a mim ninguém me chama
Como chamam o Zé Cabra

Vou ver se meto uma cunha
Em qualquer televisão
quero ver se tancho a unha
E o dente nalgum milhão

Se isso acontecer
O tacho for arranjado
Passo depois a viver
Como uma pega sem rabo

Apesar já desta idade
Ainda não perdi a esperança
De mostrar à mocidade
O que é viver com cagança

Agora para terminar
Este cómico momento
Levem a vida a cantar
Que o chorar tem muito tempo!...

A CORRIDA AO MELÃO
Nos campos alentejanos
Tem lugar todos os anos
Uma corrida ao melão
Todos correm, até ciganos
E também espanhóis raianos
Entram na competição

Tratores, carrinhas, jipões
Atisbados de melões
Numa corrida sem normas
Nessa luta desigual
Quem perde sempre a final
É o tal papa-reformas

Há sempre alguém que não quer
Melão desse para comer
Nem para dar aos animais
Mas vai aos supermercados
A comprá-los bem comprados
E não vê que são iguais!

Houve um porco que o que o comeu
De repente adoeceu
Ficou surdo, cego e manco
Não lhe tiraram a casca
Por isso ficou à rasca
E com o focinho branco

Há gente que também vai
Mas na asneira não cai
De ir sem autorização
São daqueles tais fregueses
Que sabem contar as vezes
As vezes que os outros vão

Temos que enaltecer
E também agradecer
A quem faz os meloais
Merecem bem o seu pão
Tenham sempre bom melão
E para o ano façam mais!

A HERANÇA
Como bom familiar
Meu avô para eu herdar
Deixou-me no testamento
Coisas boas de encantar
Um saco cheio de ar
E outro cheio de vento

Minha mãe não herdou nada
Em vez de estar chateada
Diz-me com boas maneiras
Tens a vida orientada
Com ar e vento às carradas
Vais encher as algibeiras

A irmã da minha mãe
Queria herdar também
Ficou trombuda e zangada
Mas que jeito é que isto tem !
Tu és neto, herdas e bem
Eu filha, não herdo nada !

Para minha tia acalmar
Tia, vamos partilhar
O que está no testamento
Não a quero ver chorar
Você fica com o ar
E eu fico com o vento

A minha querida tia
Ficou cheia de alegria
De eu com ela partilhar
Porque ela agora sabia
Que o resto da vida iria
A viver sem falta de ar

Quando se herda vento e ar
Anda a gente a respirar
Na vida mais bem disposto
Mas tudo pode mudar
Se o Estado um dia cobrar
Por estas coisas imposto

UM GRANDE AMOR ALENTEJANO
Nos campos do Alentejo
Numa tarde de calor
Com um abraço e um beijo
Começou um grande amor

Entre uma moça de Pias
E um moço de Vale de Vargo
Ela era a Rosa Maria
Ele era o Zé Saramago

Na herdade de Carapinhos
Entre Pias e Vale de Vargo
O José andava aos ninhos
A Maria andava ao espargo

Olharam um para o outro
Num lindo olhar de conquista
Dando esse olhar tão maroto
Amor à primeira vista

Debaixo das azinheiras
Para fugirem do calor
Entre espargos e espargueiras
Nascia ali o amor

O Zé pergunta à Maria
Onde moras afinal ?
Moro na aldeia de Pias
Numa casa sem quintal

Agora que já és minha
Vais comigo para Vale de Vargo
Tenho uma linda casinha
Mesmo ali ao pé do largo

A família da Maria
Ao saber do sucedido
Partiram todos de Pias
Para espancar o atrevido

A Maria pôs-se à frente
Defendendo o seu amor
Vão-se embora ó minha gente
Vão-se embora por favor

Tiveram filhos e netos
Morreram muito velhinhos
Os seus passeios predilectos
Foram sempre em carapinhos

É tão bonito o amor
Para quem sabe amar assim
Tem a vida outro sabor
Com amor até ao fim

A POESIA NÃO MORRE
A poesia é magia
É tristeza, é alegria
É amor, é sentimento
Ela é arte, é fantasia
Faz parte do dia a dia
Alimenta o pensamento

Poeta nasce poeta
Nem que caia na sarjeta
Toda a vida o há de ser
E se deixar obra feita
Continua a ser poeta
Mesmo depois de morrer

Perseguidos por vilões
Pessoa, Aleixo e Camões
O Bocage e muitos mais
Sofreram condenações
Mas seu poemas, canções
Continuam imortais

Usando ou não a caneta
Também faço de poeta
Os versos ninguém mos tira
Escrevo quase sempre tretas
Não me inspiro em profetas
Só a vida é que me inspira

Se não fosse a poesia
Ainda pior seria
Neste mundo desigual
Na podre democracia
Confronta a burguesia
Que é o eixo do mal

Neste mundo de dilemas
Vou escrevendo os meus poemas
Conforme o momento ocorre
Sobre os mais diversos temas
Palavras firmes, serenas
Que a poesia não morre!

A TERRA NÃO É CULPADA
Portugal é um Jardim
Duma beleza sem fim
Que à beira-mar está plantado
Mas seu povo mesmo assim
Por ter cá vida ruim
Metade tem emigrado

Nossa terra é nossa mãe
Mas muitas vezes porém
Mais parece que é madrasta
Trata o filho com desdém
Que por não se sentir bem
O filho dela se afasta

Minha terra, Portugal
No mundo não tem rival
Apesar de ser tão bela!
Não nos trata por igual
Um dia tratou-me mal
E eu afastei-me dela

Mas depois pus-me a pensar!
Não a posso condenar
A terra não culpada
Pois quem me fez abalar
Foi quem me estava a explorar
Foi uma certa cambada

E essa mesma cambada
Ainda cá está instalada
Gozando boa saúde
Se não for eliminada
Continua em debandada
Do país, a juventude

Apregoa a burguesia
Que há aqui democracia
Mas aonde é que ela está ?
Ela anda à revelia
Mas há de chegar o dia
Que finalmente, virá!

ESTA VIDA É UMA ILUSÃO
Um morreu porque fumava
Outro foi porque bebia
Um que muito trabalhava
Outro que nada fazia

Para a morte há sempre desculpa
Ela não culpa ninguém
Mesmo com quem ela luta
Um dia lá vai também

Mas há que não pense assim
Mas há que não pense assim
Neste mundo infelizmente
Que não morre, não tem fim
Que fica cá para sempre
Mas quando chegar a hora
Mas quando chegar a hora
Dele também abalar
Às vezes nem sequer chora
Nem tem tempo para chorar

Se o dinheiro pagasse a morte
Só o pobre é que morria
Mas do sul ao Polo Norte
Tal seria a porcaria

Todos vamos ninguém fica
Eu um dia também vou
Malta pobre ou malta rica
Nunca ninguém cá ficou

Até que a morte me leve
Quero viver animado
Cantar, beber com quem bebe
Que em morrendo vou deitado!

Esta vida é uma ilusão
E passa rapidamente
Mas com mais compreensão
Não era tão deprimente

3 LUSITANOS VALENTES
(em 2012, ano de Troika)

Três Lusitanos Valentes
De Viriato descendentes
Estavam em reunião
De semblantes carregados
E muito preocupados
Com o estado da nação

Dizia o primeiro-ministro
Para endireitar isto
Temos que trabalhar mais
Reduzir os feriados
As pensões, os ordenados
Freguesias e tribunais


Retorquiu o presidente
Que parece ultimamente
Já não dar uma para a caixa
Não pode ser bem assim
Que será feito de mim
Com uma pensão tão baixa

O dos Negócios Estrangeiros
Puxa de 50 Euros
Olha para os outros e diz
Mesmo aqui do quinto andar
Esta nota eu vou mandar
E faço um português feliz

Dizem logo os outros dois
Que bondoso que vós sois
Ó Sr. Ministro, às vezes!
Nós também vamos mandar
Que assim sempre vão ficar
Felizes três portugueses

Mas a mulher da limpeza
Cem por centro portuguesa
Viu que eles tinham uns deslizes
Deu a opinião dela
Mandem-se os três pela janela
E dez milhões ficam felizes

FOI O VENTO
Num domingo de fevereiro
Defrontaram se o Estoril e o Sporting
Um era o último, o outro o primeiro
Mas o mais fraco, afinal foi o mais forte

Quando o jogo começou
Até parecia o campo estar inclinado
Apareceu um vendaval que soprou
A favor sempre só do mesmo lado

Foi o vento, dessa vez foi o vento
Foi o vento, o culpado da derrota
Não foi o árbitro, que foi fraudulento
Não foi o árbitro, que fez a batota

Quando se mudou de campo
O vendaval também se mudou
Fez uma chuva de pontapés de canto
E mesmo assim, tudo o vento levou!


Um treinador extraordinário
Quando perde, nunca perde o juizinho
Dá o mérito ao seu adversário
Quando ganha, nem sempre é limpinho, limpinho!

Treinador que é gabarola
Quando ganha, dá a si próprio louvores
Quando perde, faz figura de mariola
Atira a culpa para cima dos jogadores

Era tão bom, a gente ganhar sempre
Soprar o vento sempre a nosso favor
Era sinal que os outros não eram gente
E só a gente é que tínhamos valor

Felizmente que não acontece assim
Neste mundo que já é tão deprimente
Se assim fosse, era ainda mais ruim
Com vitórias sempre para a mesma gente

GALOS E GALINHAS
Tenho no quintal uma galinha
Que é um animal inteligente
Até quando procura a comidinha
Esgravata com as patas para a frente
Esgravata com as patas para a frente
Enche o papo e canta uma cantiguinha
Que é um animal inteligente
Tenho no quintal uma galinha

Tenho no quintal um galo capão
Não me gala as galinhas, não é macho!
Está gordo, come que nem um lambão
O que ele está a pedir é já tacho
O que ele está a pedir é já tacho
Bem regado, com um bom tinto carrascão
Não me gala as galinhas, não é macho!
Tenho no quintal um galo capão

Tenho no quintal um galo novo
Que gala as galinhas sempre de lado
Por isso quando elas põem o ovo
O ovo até vem de atravessado
O ovo até vem de atravessado
Toda a gente se admira lá no povo
Que gala as galinhas sempre de lado
Tenho no quintal um galo novo

A vizinha já me quer comprar o galo
Mas eu não o vendo nem por nada
O que posso fazer é emprestá-lo!
Para a galinha da vizinha ser galada
Para a galinha da vizinha ser galada
A seguir eu não quero lá deixá-lo
Mas eu não o vendo nem por nada
A vizinha já me quer comprar o galo

O POLÍTICO E O BORRACHO
O político e o borracho
Não são muito diferentes
Quando estão cá em baixo
Até comem na mão da gente

Mas depois assim que sobem
De já estarem bem na vida
Borram sempre enquanto comem
Em quem lhes deu a comida

Em ano de eleições
Os partidos nos rescaldos
Fazem grandes promoções
Como em época de saldos

Quem for bom na propaganda
Na mentira descarada
Depois pode, quer e manda
Sempre com ela fisgada

Se houver alguém que o deixe
Subir para cima da escada
Lá vai vendendo o seu peixe
São só postas de pescada

Falta dinheiro para escolas
Para bombeiros e hospitais
Para políticos mariolas
O dinheiro nunca é demais

Quando é para o tacho arranjar
Fazem sempre um alvoroço
Que para cada lugar
São trinta cães a um osso

Ao subir ao parlamento
Ou a outras posições
Diz com tal descaramento
Que se lixem as eleições

Gritando a plenos pulmões
Só a dizer disparates
Que se lixem as eleições
Mas quer lá pôr os tomates

Alguém que tente ser sério
Mesmo até no seu partido
Ninguém quer o seu critério
Em pouco tempo é corrido

Vote a gente em quem votar
Não melhora a situação
Ganhe aquele que ganhar
Quem se lixa é o mexilhão!

De faca e queijo na mão
Fazem leis todos os dias
Para o povo só exploração
Para eles só mordomias!

A TROIKA DO DESPORTO
As troikas em Portugal
Há muito tempo afinal
Que existem no país
Mas há uma especial
Que às outras em geral
Põe o dedo no nariz

É a troika do desporto
Benfica, Sporting, Porto
Que só fazem é confusão
Pois não são nada pacatos
Dentro e fora dos campeonatos
Para um deles ser campeão

Só Belenenses e Boavista
Fazem parte dessa lista
Dos vencedores da bola
Com uma vez cada um
Para os outros não foi nenhum
Foi tudo para o trio mariola

Os outros são nos encontros
Fornecedores de pontos
A esses três galifões
Que mesmo assim desesperam
Contra todos vociferam
Se não forem campeões

Não sabem o que é a ética
Arranjam sempre polémica
Quando saem derrotados
Não é por jogarem mal!
São os árbitros afinal
Quase sempre os culpados

Está a dar que pensar
A maneira de acabar
Com essa troika de vez
Talvez não participar!
Deixá-los a gladiar
Na arena só os três!...

OS DESTEMIDOS DO FANDANGUINHO
Naga, Pega, Tuna, Viola,
Tá morto, Caga-Paus e Zé Arvela
Que grande equipa era aquela
Calças à meia-canela
Descalços, jogando à bola

Muitos não iam à escola
Tinham a escola da vida
Era malta destemida
Sempre prontos para a corrida
Contra a Guarda tão mariola

O pão de maio, era a fava
E quando o Viola chegava
Ao largo do Fandanguinho
Do mais novo ao mais velhinho
Ele a todos favas dava
Toda a gente se alegrava
Tudo comia e se ria
Que as favas que ele trazia
Em vez de algibeiras falsas
Vinham nas pernas das calças!

Nada os fazia parar
Eram leves como o vento
Pelo seu próprio sustento
Tinham que saber lutar!
Marcaram bem o seu tempo
Ou a sério, ou a brincar
Fandanguinho, o seu lugar
Lembra-os a cada momento!

O CALDO COM POUCO CALDO
No mês a seguir a Maio
Na taberna do Pangaio
Comeu-se um caldo de peixe
Foi um caldo que deu brado
Por o caldo ter faltado
Ainda hoje há quem se queixe

Chico Mitra, trouxe uns pratos
Mais bem fundos que chatos
Grandes como pelenganas
Lá dentro as sopas migadas
Com pouco caldo molhadas
Nem pareciam alentejanas

Estevão Bita, o mau da fita
Contra ele tudo grita
Por ter sido o cozinheiro
Ao ouvir protestos tais
Diz que não cozinha mais
Nem que lhe dêm dinheiro

Quando se fez o rescaldo
Do caldo com pouco caldo
O peixe ainda sobrou
Talvez não sobrasse nada
Se tem vindo a rapaziada
Que a malta convidou

Nesse dia tão bonito
Dali fomos ao Zorrito
Para fazer a digestão
Águas, Ginja e Poejada
Cantou-se as "coisas roubadas"
Foi paródia até mais não!...

Faz-nos falta conviver
Esteja a gente onde estiver
Que esta vida são dois dias
Tem-se ainda mais prazer
Se o convívio se fizer
Na terra do vinho, Pias

GERINGONÇAS E CARANGUEJOLAS
Nesta Selva, três primatas atrevidos
Combinaram ser uns amigos da onça
E todos juntos, contra dois ursos bandidos
Conseguiram montar uma geringonça

A geringonça, aí está a funcionar
Os dois ursos, qual deles o mais mariola
Estão desolados, levam o tempo a chorar
Com saudades da sua caranguejola

O chefe dos ursos, por ser muito pobrezinho
Não conseguiu manter a caranguejola
Está depenado, vive da venda de um livrinho
E de uma pensão, que mais parece uma esmola

A geringonça, mesmo assim é melhorzinha
A caranguejola espalhou na selva a desgraça
Ela abusou de tanto poder que tinha
Explorou macacos, encheu gorilas de massa

Cá nesta selva, não faltam caranguejolas
E geringonças existem por todo o lado
Para essas coisas, temos sempre boas escolas
Por isso mesmo, é que isto está atrasado

Nota:
Esta poesia
carregada de ironia
Faz parte do dia a dia
E é contra a demagogia

PRECARIEDADE
Abaixo a precariedade!...
Um cancro da sociedade
Dos que mais causa aflição
Provoca dor, ansiedade
E forma na realidade
A moderna escravidão

Quem usa o trabalho precário
não passa de um usurário
sem vergonha nem pudor!
Que explora o funcionário
O camponês, o operário
Para ele ser um senhor

É um facto consumado
Que até mesmo o próprio Estado
Também é um usurário
Pois tem tantos contratados
Anos e anos explorados
Sempre a trabalho precário

A lei da precariedade
Só deu mais prosperidade
A quem a fez e aprovou
Mas ao País na verdade
Trouxe mais desigualdade
E a dívida aumentou

VIDAS DE ANIMAIS
(com expressões alentejanas)

A galinha da vizinha é tão mazinha
Com ela não há galo que arreganhe o dente
Até esgravata quando busca a comidinha
Com uma pata para trás e outra para a frente

Um cão vadio dizia para um de luxo
'Tal é a sorte que tu tens na tua vida
Dão-te banho e depois enchem-te o bucho
E eu esgravulho no lixo pela comida!'

Um porco gordo perguntava a um magrinho
'Como é que fazes para ser tão elegante ?
Corro de bicicleta, para não ganhar toucinho
E assim me safo do cutelo do talhante'

Um camelo discutia com um urso
Que dizia que o batia no deserto
'Tu não aguentas nem metade do percurso
Não te estejas a armar em Chico esperto!'

Uma girafa com 5 metros de altura
Apaixonou-se por um girafinho anão
Punha-o ao colo, dava-lhe tanta ternura
Que o girafinho já não queria ir para o chão

Uma sardinha guerreou com um carapau
Deu-lhe uma pisa, deixou-lhe a espinha partida
'Toma lá, ó carapau! para não seres mau
E não te armares em carapau de corrida'

Um pinguim andava no Pólo Norte
Todo vaidoso com o seu fraque vestido
Encontrou outro que se quis armar em forte
Passou-lhe a perna, deixou-o logo estendido!

Uma lagartixa que gostava de uma lagarto
Foi atrás dele para um buraco numa esquina
'Quando fores grande, logo vens aqui para o quarto
Agora não, que ainda és muito pequenina!'

Um peneireiro dizia a um gavião
que voava nas alturas a seu lado
'Até daqui, vejo um mosquito no chão
Eu vejo 2, o outro está engofado!'

Uma grande vaca para um vaqueiro atrevido
'Deixa-te estar quieto com as palmadas no cu!
Vê lá se queres que eu diga ao meu marido
Olha que ele também é boi como tu!'

Estas histórias passadas entre animais
Hilariantes, uma más e outras boas
São inventadas, mas podiam ser reais
Também passadas neste mundo entre as pessoas

O NATAL NÃO É PARA TODOS
O natal não é para todos
É uma festa de engodos
Ostentação e riqueza
Boas falinhas, bons modos
P'ra uns é fartura a rodos
P'ra outros tanta pobreza

Quando vejo um pai natal
Não ser p'ros filhos igual
E só os ver de ano a ano
Chego à conclusão final
Que não é um pai normal
Mas é sim, um pai tirano

Quando eu era rapazinho
Nunca tinha sapatinho
Para pôr na chaminé
Era muito pobrezinho
Como andava descalcinho
Só se lá pusesse o pé

A ceia da consoada
Era uma feijoada
Mas não era à transmontana
Com pouco azeite temperada
E sopas de pão migadas
P'ra dentro da palangana

Toda a família comia
E ainda se repartia
Se alguém nos visitava
E por fim com alegria
Toda a gente em harmonia
Ao Deus-menino cantava

À luz da vela ou candeia
Era pobre a nossa ceia
Em muita casa era igual
Mesmo sem barriga cheia
Era assim na minha aldeia
Que se passava o natal

A FISGA ALENTEJANA
Uma fisga nas mãos de um rapaz
Era um brinquedo que ele usava com prazer
Porque na luta pelo pão e pela paz
Era essa fisga que o ajudava a vencer

Escondia a pasta marchava para Carapinhos
Vivia à rasca, em vez da escola, ia aos ninhos
Com armadilhas apanhava passarinhos
Corria milhas às bolotas e aos figuinhos

Tardes inteiras passava-as lá no Cangueiro
Lá nas figueiras e nalgum soromenheiro
Todos lá iam, não era ele o primeiro
Muitos sofriam, sem trabalho o ano inteiro

Para viver naquele tempo atribulado
Tinha que ser um rapaz desenrascado
Que havia guarda espalhada por todo o lado
E dava porrada nesse que fosse apanhado

Entretanto fez-se uma revolução
Mas no entanto continua a exploração
Para lutar contra esta situação
Tem que arranjar, em vez da fisga um canhão.




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