quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

65 QUADRAS de António Aleixo



























António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899/Loulé em16 de Novembro de 1949), foi um poeta popular português.

Considerado um dos poetas populares portugueses de maior relevo, afirmando-se pela sua ironia e pela crítica social sempre presente nos seus versos, António Aleixo, homem simples, humilde,  deixou uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX.

Com uma vida de pobreza, mudanças de emprego, emigração, tragédias familiares e doenças, tinha o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo.

Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, polícia e servente de pedreiro, trabalho este que, como emigrante, exerceu em França. De regresso ao seu Algarve natal, estabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, passando a ser conhecido como o "Poeta cauteleiro".





Num arranco de loucura,   
filha desta confusão,
vai todo o mundo à procura
daquilo que tem à mão.

Vinho que vai para vinagre   
não retrocede o caminho;
só por obra de milagre,
pode de novo ser vinho.

Entre leigos ou letrados,  
fala só de vez em quando,
que nós, às vezes, calados,
dizemos mais que falando

Eu não tenho vistas largas,   
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

Quando te vês mal, e dizes  
que preferias a morte,
pensa que outros menos felizes
invejam a tua sorte. 

Mentiu com habilidade,  
fez quantas mentiras quis;
agora fala verdade
ninguém crê no que ele diz.

Tem a música o poder   
de tornar o homem feliz;
nem há quem saiba dizer
tanto quanto ela nos diz.

Quando os homens se convençam   
que a força nada faz,
serão felizes os que pensam
num mundo de amor e paz.

Gosto do preto no branco,   
como costumam dizer:
antes perder por ser franco
que ganhar por não ser

Não sou esperto nem bruto,  
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.

Queremos ver sempre à distância   
o que não está descoberto,
Sem ligarmos importância
ao que está à vista e perto

Porque será que nós temos   
na frente, aos montes, aos molhos,
tantas coisas que não vemos
nem mesmo perto dos olhos?

Sei que umas quadras são conselhos
que vos dou de boa fé;   
outras são finos espelhos
onde o leitor vê quem é.

Vemos gente bem vestida,  
no aspecto desassombrada;
são tudo ilusões da vida,
tudo é miséria dourada.

Quantas sedas aí vão,   
quantos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!

Julgam-me mui sabedor;   
e é tão grande o meu saber
que desconheço o valor
das quadras que sei fazer.

Forçam-me, mesmo velhote,
de vez em quando, a beijar
a mão que brande o chicote
que tanto me faz penar.

Porque o mundo me empurrou,
caí na lama, e então
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.

Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

Já o escravo se convence,
A lutar por sua prol,
Já sabe que lhe pertence,
No mundo um lugar ao sol !

Eu já não sei o que faça,
P'ra juntar algum DINHEIRO;
Se eu vendesse a desgraça,
Já hoje eu era um banqueiro!

A vida na grande terra
corrompe a humanidade.
Entre a cidade e a serra
prefiro a serra à cidade.

O mundo só pode ser   
melhor do que até aqui,
- quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!

Eu não sei porque razão  
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.  

Bate a fome à porta deles   
e é lá mais mal recebida
do que na casa daqueles
que a sofreram toda a vida.  

Uma mosca sem valor  
poisa, c'o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria

Para não fazeres ofensas  
e teres dias felizes,
não digas tudo o que pensas,
mas pensa tudo o que dizes.

Quando não tenhas à mão   
outro livro mais distinto,
lê estes versos que são
filhos da mágoa que sinto.

Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P'ra aquelas deficiências
Que os meus versos possam ter.

Quem nada tem, nada come;
e ao pé de quem tem de comer,
se alguém disser que tem fome,
comete um crime, sem querer

A quadra tem pouco espaço
Mas eu fico satisfeito
Quando numa quadra faço
Alguma coisa com jeito

Nada direi, mas, enfim,
Vou ter a grande alegria
De a Arte dizer por mim
Tudo quanto eu vos diria

Nos versos que se improvisem,
Os poetas sabem ler,
Para além do que eles dizem,
Tudo o que querem dizer

Falemos sinceramente,
Como p'ra nós mesmos, a sós;
Lá longe de toda a gente,
Do mundo, e até de nós

Após um dia tristonho
de mágoas e agonias
vem outro alegre e risonho:
são assim todos os dias

São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
às vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós

Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande.

Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão f’lizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.

A arte em nós se revela
Sempre de forma diferente:
Cai no papel ou na tela
Conforme o artista sente

Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.

Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo,
O que importa é que eles sejam
O que os Homens são no fundo.

Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
- Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão

Já o escravo se convence,
A lutar por sua prol,
Já sabe que lhe pertence,
No mundo um lugar ao sol !

Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão,
Dá antes aos pobrezinhos,
Uma fatia de pão...

Ser doido alegre que maior ventura,
Morrer vivendo p'ra além da verdade,
É tão feliz quem goza tal loucura,
Que nem na morte crê...que felicidade!

Que feliz destino o meu,
Desde a hora em que te vi,
Julgo até que estou no céu,
Quando estou ao pé de ti...

E agora é o acaso que me guia,
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria,
Se o mundo fosse bom ...como não é!

Entra sempre com doçura,
A mentira, pr'a agradar,
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar...

Mesmo que te julguem mouco,
Esses que são teus iguais,
Ouve muito e fala pouco,
Nunca darás troco a mais!

P'ra que tentaste subir,
Tão alto, mulher vaidosa?
Quem sobe assim vai cair,
Na lama mais vergonhosa...

Os meus versos o que são ?
Devem ser, se não os confundo,
Pedaços do coração,
Que deixo cá, neste mundo.

Tem a música o poder,
De tornar o homem feliz,
Nem há quem saiba dizer,
Tanto quanto ela nos diz.

Sabendo que deves ter,
Milhões deles p'ra me dar,
Teria que enlouquecer,
Para um beijo te roubar.

Roubando um, mil te daria,
O que não posso é jurar,
Que não te aborreceria,
E eu quero-te desejar !

Com os cegos me confundo,
Amor, desde que te vi,
Nada mais vejo no mundo,
Quando não te vejo a ti !

Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.

Prá mentira ser segura
E atingir profundidade
Precisa trazer á mistura
Qualquer coisa de verdade.

Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo
Calai-vos que pode o povo
Querer o mundo novo a sério.

Que importa perder a vida
Em luta contra a traição
Se a razão mesmo vencida
Não deixa de ser razão.

Fala!... Não te faças branco,
Não compreendes que de resto,
Vale mais ser rude e franco,
Que falsamente modesto?...

Diz que viver é sofrer...
Concordo mas não compreendo,
Que ninguém ouse dizer,
Quanto se aprende sofrendo!...

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista...
Ver as coisas mais além,
Do que alcança a nossa vista!...

Tanto da vida conheço
que, ao ver o mundo tão torto,
às vezes, quando adormeço,
desejava acordar morto.

Porque será que nós temos,
Na frente, aos montes, aos molhos,
Tantas coisas que não vemos,
Nem mesmo perto dos olhos?

 

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